Declaração do Grupo Internacional de Trabalho e Consultoria

 

Odos os seres humanos são iguais embaixo da pele. Não existem raças "inferiores" ou "superiores", nem diferenças de inteligência, caráter ou valor com base em raça entre os povos do mundo. Todos fazemos parte da mesma família humana.

 

O racismo é a negação de nossa humanidade compartilhada, uma violação dos direitos humanos inerentes a todos os povos. Constitui uma praga moral, uma pústula de injustiça e um sério problema econômico.

 

Onde quer que se encontre o racismo, ele atua como força divisiva. Priva as sociedades da unidade e da cooperação de todo o seu povo na busca do bem comum. Desperdiça talentos, produtividade e vidas, e contribui para o sofrimento humano. Alimenta as desigualdades e as disparidades de poder, incentivando o abuso e a exploração dos grupos e dos indivíduos vulneráveis. Mina a governança democrática, retarda o desenvolvimento econômico e põe em movimento o conflito, na medida em que os grupos ou indivíduos lutam para preservar um status quo injusto ou para resistir a ele.

 

No futuro, o mundo será ainda "menor" do que é hoje. As vidas e o bem-estar dos diversos povos e nações serão cada vez mais interligados numa rede global de interdependência econômica, social e política. Se nós vamos ter, em alguma medida, paz e prosperidade, teremos todos de nos ajustar a conviver, compartilhar e aprender com pessoas que talvez não se pareçam conosco. Assim, temos todos um interesse concreto no desenvolvimento de normas, políticas, entendimentos e valores que possam proteger cada pessoa humana e afirmar seu direito inerente de viver livre do racismo, do sexismo e de outras práticas semelhantes.

 

Nós começamos o trabalho da Iniciativa com a consciência de que, com todas as suas diferenças, as nações de que somos provenientes – Brasil, África do Sul e Estados Unidos – têm sido moldadas e profundamente afetadas, ao longo de sua história, por "raça", racismo, sexismo e outras formas de preconceito. Em cada uma delas, desde o começo, pessoas de origem européia e aparência branca dominaram e escravizaram pessoas de origem africana e descendentes, relegando seus semelhantes à condição de "bens". Por lei (nos Estados Unidos e na África do Sul) e por prática (em todos os três países), os brancos resistiram à partilha de direitos e oportunidades iguais com os negros. A riqueza e as vantagens dos brancos acumularam-se durante centenas de anos com a exploração da mão-de-obra negra barata, enquanto se aprofundavam as desvantagens dos negros. A supremacia branca fornecia a pronta desculpa para o uso da violência repressiva e uma base conveniente para a solidariedade segmentada.

 

Como conseqüência dessas práticas, as três nações abrigam hoje mais de 125 milhões de pessoas de ascendência africana ou aparência negra, das quais uma porção proporcionalmente exagerada está atolada na pobreza, faltando-lhe as habilidades necessárias para competir ou obter sucesso num mercado de trabalho e numa economia global que se estão constituindo sob o impulso da tecnologia. No Brasil, sociedade que ostenta uma complexa gama de identidades grupais baseadas na cor, quase metade da população ("pretos" mais "pardos") tem certo grau de ascendência africana ou aparência negra, e a maioria desses "não-brancos" é pobre. Na África do Sul, que tem menos de 15% de brancos, quase todos os pobres são "negros" ou "coloured" [mestiços de várias procedências]. Nos Estados Unidos, os afro-americanos são 13% da população, mas constituem um terço dos pobres.

 

 

Nossas nações estão agora num ponto crítico de mutação. Profundamente afetadas por tendências e conjunturas nacionais e internacionais, elas enfrentam o desafio do presente e do futuro: encontrar caminhos para desfazer o legado de desvantagens cumulativas que afeta os povos de ascendência africana, legado esse construído e mantido com tanto empenho no passado. Essas tendências e conjunturas apresentam novos problemas. Mas podem também oferecer a essas democracias novas oportunidades de assinalar o caminho para uma nova era pós-racista caracterizada pelo avanço nas relações humanas..

 

O desafio de uma nova era será o de ajudar os indivíduos, as instituições, as sociedades e o mundo a avançar para além do racismo, arrancando sistematicamente pela raiz as atitudes, práticas e políticas que promovem e sustentam as desigualdades. As nações que continuam a oferecer benefícios para os brancos à custa de negros, mulheres e outros grupos vulneráveis, que deixam de cultivar os talentos de todos os seus cidadãos e que toleram ou até incentivam profundas divisões culturais e "raciais" estão minando sua própria vantagem competitiva em relação a outras nações e vão perder a credibilidade de seu próprio povo.

 

Para efetuar essas mudanças, será necessário um investimento grande e contínuo de tempo, energia e recursos dos povos do Brasil, África do Sul e Estados Unidos, assim como da comunidade internacional. Mas a simples verdade é que nossas nações e o mundo não podem, economicamente falando, suportar os altíssimos custos e as conseqüências negativas do preconceito.

 

No curso de nossa investigação, estivemos com muitas pessoas extraordinárias e vislumbramos instantaneamente a sua realidade. Aprendemos que, a despeito dos conflitos e da diversidade, as pessoas são mais parecidas do que diferentes. Todos desejamos ter um lugar decente para viver, oportunidades abertas para aprender, ajuda dos outros quando necessitamos, trabalho recompensador e produtivo, certo nível de saúde, formas e meios de cuidar dos nossos amados, uma sensação de justiça protetora e igual, e paz. Esses podem ser objetivos viáveis se nos comprometermos a colocar em ação os anjos guardiães das nossas melhores naturezas para trabalhar como arquitetos de uma sociedade global mais igualitária.

 

Para alguns, pode parecer ingênua a aspiração de marchar para além do racismo. Entretanto, sem uma visão duradoura do lugar onde queremos estar no futuro, um plano para chegar lá e o compromisso de encontrar o caminho, certamente não conseguiremos progredir. Se não tentarmos, certamente não poderemos obter sucesso em avançar para além do racismo.

 

Certa vez, um de nossos membros, Paulo Sérgio Pinheiro, assim descreveu o valor de uma lente comparativa para o estudo do racismo e das desigualdades: "É como se estivéssemos dentro de um grande salão de baile espelhado. Vemos nós mesmos e vemos os outros. Existe o choque do reconhecimento. Nós somos eles e eles são nós."

 

Podemos aprender muito olhando no espelho, ouvindo, aprendendo e pensando sobre nossos diversos esforços para superar o racismo. Se agirmos com determinação e propósitos elevados, poderemos planejar e trabalhar juntos para mudar aquilo que não nos agrada.

 

Não nos pretendemos donos da capacidade nem da sabedoria para sozinhos aquietarmos os ódios antigos do mundo, nem para reconstruir as atitudes e instituições nele vigentes. Mas com o estudo do Brasil, da África do Sul e dos Estados Unidos, e ao compartilhar parte daquilo que aprendemos, esta obra procura contribuir no rumo de um mundo onde a prosperidade, a justiça e a boa vontade sejam as primeiras condições para a libertação humana – e os verdadeiros motores do progresso social e econômico. Escreveu o poeta William Butler Yeats: "Do nosso nascimento até a morte é apenas o piscar de um olho". Aproveitemos bem o nosso tempo, e para o bem nos agrada.

 

 

 

Peter D. Bell

Ana Maria Brasileiro

Lynn Huntley

Wilmot James

Shaun Johnson

Paulo Sérgio Pinheiro

Edna Roland

Khehla Shubane

Ratnamala Singh

Gloria Steinem

Franklin A. Thomas

Thomas Uhlman

 

 

Novembro de 1999